quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

5) Capitalismo Avançado

Carlos U Pozzobon

A essência do capitalismo avançado é a competição entre empresas e pessoas. Entre empresas, pelo papel do Estado na luta contra monopólios, através da regulamentação legislativa exercida por agências. Entre pessoas, pela preparação ao individualismo e educação para o contínuo aperfeiçoamento. No Brasil, o capitalismo avançado é uma vela bruxuleando ao vento, pois não compartilha seu modelo com outros sistemas sociais. O capitalismo ou lidera a sociedade ou a sociedade não é capitalista. O desarranjo entre uma parcela da sociedade brasileira vivendo formas de capitalismo avançado, e o restante completamente alheio às demandas desse mesmo capitalismo, cria uma cultura pitoresca, que mais confunde do que esclarece. Pode-se notar isso nos escritos sobre o Brasil por brasileiros e estrangeiros: os brasileiros não abordam o Brasil como uma sociedade com três sistemas; os estrangeiros também não, pela completa ignorância sobre as origens dos nossos problemas. Além do mais, três sociedades diferentes significam, no mínimo, três éticas atuando no mesmo espaço social, o que pode parecer um contrassenso, mas é a realidade nua e crua.


Elixir dos Deuses

O capitalismo avançado não se caracteriza por um setor financeiro globalizante, nem por prédios suntuosos, muito menos pelo comércio capilarizado na sociedade. O que de fato o caracteriza é sua vanguarda tecnológica. O resto corre atrás. Ciência e tecnologia, por sua vez, não são acidentes de percurso, ao contrário, são a própria essência do sistema, a ambrosia divina. O capitalismo avançado é um sistema de autoridade e representação capaz de negar o modelo do Estado semicapitalista, que, paradoxalmente, apenas sobra como oferta de recompensa o preparo individual para inserção no modelo de inovação permanente.

Pode-se repousar no capitalismo e ficar na mesma atividade para sempre. Mas esta não é a cartilha básica. Ao estagnado não sobram os louros da vitória. Toda a prática acumulada tem seus mecanismos de valorização indutivos. O verdadeiro valor está na capacidade de "enhancement" — espécie de melhorismo pregado por Voltaire já no século XVIII como forma de a sociedade superar seus problemas, e que somente 200 anos depois é que se tornou um modus vivendi. No capitalismo avançado, a vida intelectual — cujo epicentro é a própria reprodução de objetos culturais — adquire alta estima e valorização. O conhecimento e a experiência adquirem notoriedade e se tornam elementos valorativos. A demanda por conhecimento é o maior estímulo e garantia de sobrevivência. Como conhecimento não se adquire por indicação, não se consegue com fraudes, não se assimila com falsificações, e não se concretiza com dissimulações, o capitalismo avançado olha para baixo e não consegue entender a enfatuação caipiresca e aspônica do semicapitalismo brasileiro.

"Acedi em voltar ao Brasil, apesar de convencido de que não estávamos ainda preparados para compreender e, muito menos, possuir e incrementar essa coisa séria, que é um Instituto Científico. Depois de haver organizado e dirigido um estabelecimento dessa ordem nos Estados Unidos e de ter conhecido os meios técnicos e universitários norte-americanos e europeus, convenci-me de que a burocracia, que precocemente invadira até as instituições científicas em nossa terra, convertendo-se em madrasta dos nossos poucos devotados pesquisadores, representa realmente uma prova de decadência, agravada pela lei do menor esforço. Burocracia é o reumatismo da administração; entrava-lhe os movimentos. E instituto científico como movimentos entravados é apenas um contra-senso". AMARAL, Afrânio. Serpentes em Crise: Revista dos Tribunais, 1941, p. 168.

A relação entre tecnologia e sociedade é a de uma parceria que se mantém enquanto a tecnologia for capaz de representar melhoria na satisfação de algum aspecto das necessidades humanas. Mas a questão não se resume a isso — a crítica da tecnologia é também um aspecto importante dela mesma, pois é um elemento essencial na reprodução e inovação tecnológica, na medida em que não só permite superar obstáculos e deficiências, como também ampliar limites para além dos horizontes do cotidiano.

Existe um fator de excitação e entusiasmo por trás de cada etapa do desenvolvimento tecnológico que envolve cumplicidades e otimismo entre interlocutores. Esta atitude de risco e entusiasmo, esta postura anti-nihilista, talvez sejam a diferença essencial entre a inserção ou exclusão das pessoas no mundo tecnológico.

Na medida em que a tecnologia se apoia na coexistência pacífica entre concorrentes atuantes em nível global, ela obriga a formação de círculos participativos e fóruns de implementações que garantem a convivência e a aceitação da concorrência como um fator natural ao seu próprio meio. Daí porque sua verdadeira vocação é a tolerância. De um lado, a tecnologia luta desesperadamente pela preferência do consumidor; de outro, ela é beneficiária do ambiente criado pelas iniciativas coletivas no meio da indústria. Por melhores que sejam os especialistas, por mais notável que seja um laboratório, não existe nenhuma parte que seja maior que o todo. Em decorrência, os grandes se sentem apenas uma parte do todo, em vez de senhores do Universo.

Gradualismo

O movimento mais importante no avanço tecnológico é o gradualismo. Embora novas descobertas sejam sempre capazes de mudar os caminhos, a evolução gradualista significa, paradoxalmente, o maior impulso ao sistema como um todo, embora não seja em si mesma uma revolução, já que não traz novos paradigmas embutidos, mas apenas melhorias que, de repente, mudam todo o ambiente de produção e/ou consumo de um determinado objeto.

Além disso, deve-se levar em conta que a tecnologia é um fator de interdependência. O avanço em um campo, como o de fibras ópticas, pode representar melhor resultado na agricultura. Isso não é um disparate, e pode ser explicado com o seguinte raciocínio: a interdependência do conhecimento significa que quanto maior o engajamento tecnológico, mais proveito uma área tira da outra. Daí que o avanço em telecom tem reflexos na agricultura que esteja dinamicamente engajada no mercado.

No domínio tecnológico, o gradualismo produz resultados aceleradores quando é entendido como pequenos passos dados por muitos campos diferentes do saber em um movimento contínuo e progressivo. A melhor metáfora para isso é a de pessoas arrastando um barco com uma corda. Quanto mais pessoas puxarem a corda, melhor é o resultado do deslocamento. Por isso, o gradualismo de mil campos diferentes do saber, significa, de alguma forma, um grande passo em alguma direção à vida produtiva na sociedade. Isso quer dizer que quanto mais pessoas estiverem envolvidas na pesquisa tecnológica, mais conhecimento e inovação a humanidade terá como um todo, sem perspectiva de limites.

Ciência no Brasil

Embora o Brasil esteja engajado em diversas áreas da produção científica internacional, sua participação deixa muito a desejar exatamente por causa da burocracia infernal que medeia os órgãos de pesquisa científica e o governo. Para comprovar nossas deficiências, normalmente utilizamos uma comparação quantitativa com o número de patentes geradas em outros países. Os dados são avassaladores. Representamos menos de 1% do número de patentes geradas internacionalmente. Por que razão o Brasil não consegue se engajar mais profundamente no processo de criação científica? A resposta a esta questão não é simples e não pode ser dita em um único parágrafo.

A princípio, podemos afirmar com unanimidade o fato de que o engajamento científico é gerador de riquezas e de que as sociedades mais engajadas são as que obtêm um nível mais elevado de bem-estar e renda. Portanto, parece óbvio que, por si só, o engajamento científico deveria ser uma prioridade política dos povos em todo o mundo. Entretanto, tal não acontece. Algumas (muitas) coisas concorrem para que a ciência seja deixada em segundo plano, mas o ponto central é o seguinte: enquanto houver formas de ganhar dinheiro baseadas em negociatas, em arranjos nos corredores do Congresso, nas Assembleias e Prefeituras, sem falar nos incontáveis órgãos públicos, evidentemente que a questão tecnológica sempre será secundária para as pessoas que circulam nesses ambientes. Esforços no sentido de preparação profissional não são suficientes. O simples fato do Brasil mandar estudantes para universidades americanas também não basta, pois a realidade estatística mostra que o nr. de bolsas para ciências políticas, sociologia e quetais tem aumentado em detrimento de bolsas para ciências tecnológicas.

O Nó de P&D

Os dados relativos ao desenvolvimento da pesquisa científica são reveladores quando comparamos o Brasil com a Coréia do Sul. Em 1980 o Brasil gerou 1,9 mil trabalhos científicos em publicações especializadas, enquanto os coreanos apenas 230. No mesmo ano, o Brasil registrou 23 patentes nos EUA, enquanto os coreanos apenas 13. Em 2000, a produção científica brasileira cresceu para 9,5 mil publicações, mas a coreana já estava em 12,2 mil. Essa correlação de patentes já mostra que tem algo de podre no reino da Dinamarca: as patentes brasileiras registradas nos EUA ficaram em 98, contra 3300 da Coréia do Sul !

O que está acontecendo? Um pesquisador do Instituto Butantã nos oferece a resposta na bandeja: “é irreal fazer inovação no Brasil” Entrevista com Antonio Carlos Martins de Camargo, OESP 29/3/2009, p. A30.. Demissionário do cargo que ocupava como diretor de um Centro de Pesquisas, foi categórico: “a legislação não dá as garantias necessárias para os investimentos em milhões de dólares que precisam ser feitos. Isso é ruim para o país, porque sem investimento industrial não há inovação e para que haja investimento a propriedade intelectual de uma patente precisa estar muito bem amparada legalmente”. A questão é que as patentes, por uma nova lei aprovada em 2004, eram divididas entre o inventor, o investidor e o instituto empregador e não mais entre a FAPESP. Na prática, as patentes passaram a ser controladas pela Assembleia Legislativa e pelo Governador, que deve dar o aval a cada novo pedido de licenciamento. E como colocar a ciência nas mãos de políticos é tão perigoso quanto nas mãos dos aiatolás, evidentemente que nenhum investidor privado vai arriscar seu capital com essa gente.

O resultado é que a pesquisa definha, e com ela a relevância do país no desenvolvimento científico. E que problemas decorrem disso? Os mesmos de sempre: a incapacidade de o país se livrar da burocracia atravancadora e paralisante de toda e qualquer iniciativa. Este capitalismo cadastral é a pior espécie de regime: regulamenta o que deve ser dispensado, cria exigências descabidas que não têm relação com o objeto de interesse, confere poderes a burocratas carimbadores de baixo nível, quando não elege parasitas ignorantes das questões em pauta para legitimar os direitos alheios. Ou seja, o problema sistêmico confere os louros da vitória àqueles cujas práticas e mentalidades estão fora dos critérios de mérito da sociedade tecnológica.

FIM

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